Autor de «A Bússola do Sucesso», responsável pelos Recursos Humanos do Fórum Económico Mundial e professor na Universidade de Bocconi, Itália, Paolo Gallo tem uma ideia clara sobre o caminho para atingir a felicidade no trabalho.
«A culpa não é dos chefes insuportáveis, dos salários baixos ou das ameaças de despedimento. Se está realmente insatisfeito com a sua própria carreira, o verdadeiro motivo tem uma natureza ética.»
A avaliação é de Paolo Gallo, principal executivo de recursos humanos do Fórum Económico Mundial, na Suíça, e professor da Universidade Bocconi, Itália. As suas ideias estão descritas no livro «A bússola do sucesso – Um manual para vencer no mundo corporativo sem perder seus valores» (Benvirá, 2017).
O autor italiano defende que é impossível ser feliz no trabalho sem estar alinhado com os princípios e valores morais do seu empregador. Quando discorda da missão da empresa, ninguém permanece satisfeito por muito tempo — nem com um salário altíssimo.
Com passagens pelo Citibank e pelo Banco Mundial no currículo, Gallo afirma que a sua própria história reforça a tese.
«Há muitos anos, pedi demissão de um banco que me pagava muito dinheiro para ir para outro que só me oferecia um terço do salário anterior», conta. «Foi uma ótima decisão, porque finalmente encontrei o meu propósito e construí a carreira que sempre desejara».
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Na liderança dos Recursos Humanos do Fórum Económico Mundial desde 2014, ele diz que «só contrata missionários, e nunca mercenários» e que concordar com os valores morais da organização é uma condição obrigatória para aceitar um emprego – ainda que esse critério possa soar abstrato, ou até romântico. essa é a chave para a felicidade no trabalho.
No entanto, esta teoria levanta algumas interrogações. Mas porque é que deveria um desempregado se preocupar com a missão e propósito no momento de avaliar uma proposta de emprego? Quais os limites entre idealismo e ingenuidade no mundo do trabalho? O que é sucesso? O que é felicidade?
Paolo Gallo – Pense num casamento. Quando escolhe um parceiro(a) com quem vai compartilhar a sua vida pessoal, é necessário ter valores e princípios em comum com ele(a). Será diferente na vida profissional?
É preciso perguntar a si próprio: qual é o meu propósito? Em que valores eu realmente acredito? E então indagar-se: qual empresa, que tipo de trabalho permite que eu vivencie esses mesmos valores? Só com base nessas respostas terá uma carreira conectada com o seu desígnio de vida.
Entendo perfeitamente que, perante um número tão dramático de desempregados, alguém me diga: «Ok, Paolo, essa sua ideia é muito bonita, mas simplesmente ter um emprego já é um milagre para a nossa realidade atual». Compreendo isso, mas o que chamo de «bússola moral» na carreira não é apenas um conceito abstrato. É algo que realmente pode melhorar a vida das pessoas. Sei que pode parecer romântico. Mas refiro-me a algo prático. Sem usar essa bússola para encontrar o seu empregador, você nunca será livre nem feliz.
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O que significa ser feliz na carreira?
Ser feliz é conquistar um alinhamento entre o que se pensa, o que se fala e o que se faz. Essa definição não é minha, é de Mahatma Gandhi. Se quer ser feliz na carreira, não pode abdicar disso. Se não for assim, até pode ser promovido, conquistar estatuto e reconhecimento e ganhar muito dinheiro, mas no fundo acabará arrependido. É necessário existir algum elemento ético ligando-o à sua carreira.
No Fórum Económico Mundial, gosto de dizer que recruto missionários, não mercenários. Missionários são aqueles que acreditam no que estão fazendo, aqueles que vislumbram uma missão por trás das suas atividades. Já os mercenários são aqueles que só trabalham porque são pagos.
Antes de ler a descrição das atribuições de um determinado emprego, antes mesmo de olhar para a remuneração, procure saber se concorda com a cultura daquele empregador. Essa cultura não é aquela que eles declaram nos slogans ou em placas afixadas em todos os locais da empresa, mas sim a que eles vivem no dia-a-dia.
Pois mas, na prática, só iremos descobrir qual a verdadeira cultura da empresa quando trabalharmos lá, ou seja, quando já tivermos aceitado o emprego…
Sim, sem dúvida. Existem algumas dicas práticas para facilitar essa perceção. Por exemplo, experimente olhar para quem está no topo da hierarquia da empresa. Como aquelas figuras chegaram lá? Foram promovidas porque são realmente competentes ou porque tem algum vínculo pessoal com os donos do poder? A resposta dará uma pista sobre a integridade daquela empresa.
Empregadores que respeitam valores humanos valem a pena. É verdade que é difícil encontrar companhias assim. Mas é fácil perceber que elas são as mais lucrativas. Está provado que, quando você trata as pessoas bem, elas devolvem isso na forma de comprometimento e resultados. Se um empregador trata seus funcionários como lixo, eles também vão tratá-lo da mesma forma, e todo mundo sai a perder.
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No seu livro, diz que é preciso «deixar de acreditar no Pai Natal» para ter uma carreira bem-sucedida. O que é que isso significa?
Significa que é preciso perder a inocência e encarar de frente o sistema de poder no mundo corporativo. É ingénuo acreditar que só as pessoas mais puras e esforçadas acabam sendo promovidas nas empresas. Há muitas outras variáveis que entram na equação.
Para explicar isso, costumo fazer uma analogia com quatro animais que encontramos dentro das empresas. Existem as pessoas ingénuas e egoístas, que chamo de galinhas; as que ingénuas e generosas, que chamo de cães; as perspicazes e egoístas, que chamo de cobras; e as perspicazes e generosas, que chamo de leões.
Não acreditar no Pai Natal significa ter essa perceção dos vários tipos de pessoas com quem está lidando no local de trabalho. Significa saber em quem você pode confiar, e em quem não pode. É preciso ter consciência dessa complexidade humana, mas sem ser cínico.
No seu livro diz que as pessoas não deveriam ambicionar uma carreira de sucesso, mas sim uma carreira de valor. Qual é a diferença?
Um profissional de valor é consistente com seus princípios. Já uma pessoa de sucesso, na visão da nossa sociedade, é aquela que tem visibilidade, dinheiro, fama. Essa visão distorcida de sucesso leva à eleição de figuras como Donald Trump nos Estados Unidos ou de Silvio Berlusconi em Itália.
Se eu perguntar quem é o seu herói ou heroína, você não vai citar um astro do rock ou jogador de futebol, você vai falar o nome da sua mãe, do seu pai, da sua avó. Essas figuras às vezes não fazem muito sucesso, mas têm valor. Os verdadeiros heróis da nossa sociedade não são as pessoas poderosas ou «bem-sucedidas». São as pessoas comuns.
Como é que uma pessoa comum pode causar impacto no seu trabalho?
De muitas formas. Há alguns anos, quando eu trabalhava no Banco Mundial, convivi com uma secretária de que nunca me esqueci. Apesar de já ter mais de 60 anos de idade, ela decidiu adotar uma menina do Equador, que ficava connosco no escritório. A menina era cega e exigia uma série de cuidados.
Conviver com esse exemplo de coragem e generosidade foi muito importante para a equipa. Com essa secretária, aprendemos a ser mais gentis uns com os outros, mais tolerantes, porque víamos a bondade que ela tinha com a menina. Essa pessoa teve muito mais impacto sobre nós do que qualquer formação sobre motivação ou liderança. Ela tinha o menor salário da equipa, pouco poder, mas muito valor.
Este artigo é uma adaptação da entrevista publicada no site Exame.com em 19-09-2017
O livro referido na entrevista, A Bússola do Sucesso de Paolo Gallo, ainda não foi editado em Portugal mas existe a edição brasileira que pode ser adquirida na Amazon.
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