Uma Ética Anti-Materialista

Uma ética anti-materialista

A cultura e a religião, com uma moral subjacente que recrimina os bens materiais, são e serão antagonistas do modelo económico capitalista. É a ética anti-materialista.

As reações turbulentas das pessoas em relação ao capitalismo originaram a diversidade de modelos capitalistas nos anos do pós-guerra, desde os muito regulamentados aos ligeiramente condicionados. Ao passo que cada indivíduo tem uma opção, verifica-se uma manifesta tendência para grande parte de uma sociedade se reunir em torno de um ponto de vista comum que muitas vezes diverge significativamente das escolhas de outras sociedades.

A meu ver, tal resulta da necessidade das pessoas pertencerem a grupos definidos pela religião, pela cultura, pela história, o que, por sua vez, é alimentado pela necessidade inata que as pessoas têm de líderes: da família, da tribo, da aldeia e da nação.

É uma caraterística universal que provavelmente reflete o imperativo das pessoas fazerem escolhas que regem o seu comportamento quotidiano. A maioria das pessoas, na maior parte do tempo, sente-se desajustada da tarefa e procura a orientação vinda da religião, as recomendações dos membros da família ou as declarações dos presidentes. Quase todas as organizações humanas refletem esta necessidade de hierarquia.

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O modelo americano

Na prática, as ideias partilhadas por qualquer sociedade são as ideias abraçadas pelos seus dirigentes. Se a felicidade dependesse única e exclusivamente do bem-estar material, desconfio que todas as formas de capitalismo convergiriam para o modelo americano, que tem sido, de longe, o mais dinâmico e produtivo. Mas é também aquele que mais stress cria, particularmnte no mercado laboral.

Cerca de 400 000 pessoas nos EUA perdem os seus empregos todas as semanas, outras 600 000 mudam ou abandonam o emprego voluntariamente. O tempo médio de permanência dos americanos no emprego é de 6,6 anos, muito abaixo dos 10,6 anos para os alemães e dos 12,2 anos para os japoneses.

As sociedades com base no mercado, o que equivale hoje em dia a dizer praticamente todas, tiveram de escolher em que parte do espectro desejavam residir, entre dois extremos que poderiam ser simbolizados por dois pontos no mapa: o frenético mas altamente produtivo Silicon Valley num extremo e a Veneza eterna nó outro.

Para cada sociedade, a escolha, melhor dizendo, o equilíbrio entre a riqueza material e a ausência de stress, parece residir na sua história e na cultura a que deu origem. Por cultura, refiro-me aos valores partilhados pelos membros de uma sociedade que são incutidos desde muito cedo e extensivos a todos os aspetos da vida.

A atitude positiva pode estar refletida no PIB

Alguns aspetos da cultura de um país acabam por refletir-se no PIB (Produto Interno Bruto). As atitudes positivas, por exemplo, uma reação profundamente cultural, têm, ao longo das gerações, sido um importante motor do bem-estar material. Sem dúvida, uma sociedade com semelhantes atitudes dará às empresas uma maior liberdade para competir do que uma sociedade que encara a concorrência entre empresas como amoral ou perturbadora. Pela minha experiência, até muitos daqueles que reconhecem as vantagens do bem-estar material do capitalismo competitivo se veem confrontados com dois motivos que estão em parte relacionados.

O mais arraigado é a ambivalência generalizada em relação à acumulação de riqueza. Por um lado, a riqueza é um meio muito cobiçado de exibição social (Veblen entenderia). Só que essa perspetiva é confrontada com a bem alicerçada convicção condensa- da na sentença bíblica: «É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus» (Mateus 19:24).

A ambivalência relativamente à acumulação de riqueza material tem uma longa história cultural e ainda hoje está arreigada na sociedade. Teve uma profunda influência no desenvolvimento do Estado social e nos esquemas de proteção social que se encontram no seu âmago. Há quem defenda que as iniciativas de risco sem restrições fazem aumentar o rendimento e a riqueza.

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O objetivo do Estado social é diminuir essa concentração de rendimento e riqueza, o que sucede principalmente através de legislação que, por via da regulamentação, condiciona as iniciativas de risco e, por via da tributação, reduz as recompensas pecuniárias que podem resultar dessas iniciativas de risco.

Conquanto as raízes do socialismo sejam seculares, os seus efeitos políticos encontram um paralelismo em muitos preceitos religiosos para a sociedade civil, visando atenuar a angústia dos pobres. A procura de riqueza foi sendo considerada amoral, se não mesmo imoral, muito antes do aparecimento do Estado social.

Esta ética anti-materialista sempre foi uma fraca inibidora da aceitação da concorrência dinâmica e das instituições não restritivas do capitalismo. Muitos dos titãs da indústria americana do século XIX viram-se confrontados com a moralidade da conservação dos lucros materiais dos seus empreendimentos e distribuíram grande parte da sua riqueza acumulada. Ainda hoje existe, subjacente à nossa cultura de mercado, um resquício de culpa relativamente à acumulação de riqueza; no entanto, o grau de ambivalência em relação à acumulação de riqueza e as atitudes para com as iniciativas de risco diferem significativamente no nosso mundo.

Vejamos os EUA e a França, por exemplo, cujos valores mais fundamentais têm raízes no Iluminismo. Uma sondagem recente demonstra que 71 por cento dos americanos concorda que o sistema de mercado livre é o melhor sistema económico existente. Apenas 36 por cento dos franceses estão de acordo. Outra sondagem revela que três quartos dos jovens franceses, homens e mulheres, aspiram a um emprego no Governo. Poucos jovens americanos manifestam essa preferência.

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Estes números exprimem uma manifesta diferença na tolerância do risco. Os franceses são bem menos propensos a sofrer as pressões competitivas do mercado livre e procuram esmagadoramente a segurança de um emprego no Governo, não obstante as provas generalizadas de que as iniciativas de risco são essenciais ao crescimento económico. Não posso afirmar que quanto maior o risco, maior a taxa de crescimento.

É óbvio que as apostas temerárias raramente acabam por compensar. A iniciativa a que me refiro é o tipo de risco calculado da maior parte das decisões das empresas. Sucede, inclusivamente, que essa restrição da liberdade de ação, a essência da regulamentação governamental das atividades económicas, ou a pesada tributação dos empreendimentos bem-sucedidos, acabam por reduzir a vontade de iniciativa dos participantes no mercado.

A meu ver, as diferentes iniciativas de risco constituirão a principal característica definidora que distribui os países pelos diversos modelos de capitalismo. Nem os diferentes graus de aversão ao risco provêm de uma antipatia ética em relação à acumulação de riqueza nem tão-pouco o stress da batalha da competitividade afeta as suas consequências. São ambos prisioneiros da adoção de inibições legais impostas à concorrência, que diluem o modelo laissez-faire do capitalismo e são um importante objetivo do Estado-providência.

No entanto, existem igualmente outros inibidores menos fundamentais do comportamento competitivo. Com maior relevância política, temos a tendência de muitas sociedades para protegerem os «tesouros nacionais» dos ventos da destruição criadora, ou pior, da posse de estrangeiros. Estamos perante um perigoso entrave à concorrência internacional e a outra questão que separa uma cultura da outra.

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Em 2006, por exemplo, as entidades francesas impediram a tentativa de uma empresa italiana comprar a Suez Company, uma grande empresa de serviços sediada em Paris, promovendo a fusão da Suez com a Gaz de France. Tanto a Espanha como a Itália tomaram idênticas medidas protecionistas.

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